Determinado
Olhou-se ao espelho naquela manhã de vento norte que forte soprava na sua janela; os seus olhos marcados por largas olheiras de uma noite mal dormida não lhe permitiram uma razoável visão; colocou os óculos; mirou-se melhor; a boca estava seca e os lábios pareciam cortados; o cabelo despenteado ainda que curto cortado; o nariz comprido deu-lhe a noção de grandiosidade que não tinha (nem queria, ou será que sim?); retirou os óculos e pousou-os perto.Abriu a água fria e meteu a cabeça debaixo do jacto; estremeceu e abanou a cabeça como cachorro molhado há pouco; olhou-se de novo; pela cara escorriam as gotas da água com que se fizera acordar daquele sono pesado; olhou profundamente nos seus próprios olhos mas teve de colocar novamente os óculos para se ver melhor.A imagem que mirava era interessante apenas porque nova; quem via era alguém que já não via há muito tempo.Estava ali, à sua frente, alguém que tinha dormido um sono bastante longo.Estava ali, à sua frente, alguém que acordara de novo.Foi preciso uma espécie de baptismo.Foi preciso nascer de novo, como que surgir do ventre materno e sentir a placenta feita água gelada escorrer-lhe pela face.Sorriu.Sentiu-se novo, bonito, airoso, sorridente.Piscou um olho a ele mesmo.Sorriu de novo.Pegou na espuma de barbear.Tinha toda uma nova vida à sua frente.
[indeterminado]
[ ouvindo mp3...Queen - "I want to break free" ]
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