"Que vida a minha"

“…encosto a cabeça no vidro do carro... semiaberto e fecho os olhos por segundos; pela frincha sai o fumo do cigarro enquanto sinto o frio gélido da noite..."estás a ficar engadanhado",pensei eu. Liguei o motor,liguei o ar condicionado,fiz marcha-atrás e arranquei dali para fora.Já estava ali á cerca de duas horas,perto das urgências do hospital Curry Cabral..."Não vou ficar mais aqui...","Não posso ficar mais aqui...","O internamento da Dona Guilhermina vai demorar...vou dar uma volta na noite de Lisboa...ahhh tenho que trancar as portas,mesmo em movimento...agora esquece-te fogareiro do caraças,olha os "gandins" nos semáforos...tristezito que estás aqui sózinho".Tinha que andar. Os faróis foram ligados.Caminho sem destino....dou voltas e voltas na noite.Cruzo-me com inúmeros "fogareiros" da cidade...volto ao hospital.Páro o carro de novo."Xiii,já passou uma hora e...eu aqui...por amor de Deus...",digo em voz alta. A noite,madrugada para ser franco,pois ás 3,30horas da manhã...só pode ser madrugada, iria brindar-me com mais recordações; é isso que faço para tentar dormir um pouco recostado no banco do carro,ás vezes resulta,outras nem por isso; relembro imagens distantes e tento reconstruir a vida que já não existirá nunca mais. Puzzles de imagens, de sons e de choros e de risos, de quedas, de corridas, dum corpo cheio de calor abraçando-me.Pensamentos..."Porra,cada vez está mais frio"... Penso na estrada que há-de estar á minha frente para regressar sei lá quando a casa,parar o carro e ainda na rua,no canil,afagar o pelo negro e luzidio do Vasco,o labrador...que irá encostar o seu nariz húmido e gelado na minha face e ficar ali quieto…quietos...ele e eu...ele quem sabe pensado o que faço eu ali aquela hora da madrugada...eu ansioso pela cama,se tiver tempo.É que ás 7,00horas regresso á luta.Mas até lá..."Que vida a minha”.

[ ouvindo mp3...Tina Turner - "When the hearthache is over" ]