Olhares

Aquele olhar. Outra vez. Agora vindo dela. Ele conhece-o bem, de todas as outras mulheres que amou. Surge assim, leve e silencioso. Ele é sempre surpreendido, nunca o espera, embora, bem no fundo de si, dos seus sonhos, no sítio onde os sentimentos se aninham, já se tenha habituado a estar preparado. Ele olha para ela, incapaz de o olhar. Não o enfrenta, não consegue. Olha para a mesa, brinca com a toalha, tentando-se distrair dele por momentos. Ele sabe que ela está quase a sufocar, que lhe apetece fugir dali, porque, num momento demasiado forte, ela olhou para ele e sentiu asco.Ele acende um cigarro, compreendendo que nunca mais a irá ver. Estão os dois sentados numa esplanada da cidade, no meio de Agosto, e o silêncio dito por conversa de circunstância torna a pouca distância que os separa na maior que pode existir entre um homem e uma mulher. Ele pede a conta, começando a sentir uma angústia a insuflar-lhe o peito. Enquanto esperam, já ambos nervosos e pouco à vontade, ele olha para ela, que continua a evitar olhar para ele. Ela diz-lhe que não sabe muito bem quando o poderá voltar a ver. Ele pensa que começa a haver pouca coisa pela qual valha a pena viver. Ele pensa, enquanto apaga o cigarro debaixo do sapato, que preferia não saber amar. E depois pensa que mesmo bom era conseguir amar-se a si próprio.

[agradecimentos para aos meus antigos "serviços" pela cedência do estirador para "embelezar o post" e pela ligação net para publicar]

[ ouvindo mp3...Otis Reding - "Sitting on the dock of the bay" ]